sexta-feira, 22 de julho de 2011

Existe um Jeito Carioca de Fazer as Coisas?

Coluna do Léo

Léo Salgado


O RHdebates ocorrido no dia 21 de julho, teve como tema “O Jeito carioca na Gestão de Pessoas”, no qual, durante aproximadamente uma hora e meia, o Consultor Luiz Moura e alguns de seus convidados, tais como a Ana Silvia Corso Matte (Light), Paulo Antonio (Delírio Tropical), Ronald Coelho (MedQuality) e Tessa Grybowski Luz (Comatrix), conversaram e debateram com a platéia de mais de 110 profissionais de Recursos Humanos se existe ou não este “Jeito Carioca”.
Sem querer entrar no mérito se (caso exista) este jeito é melhor ou pior do que outros “jeitos”, tomo a liberdade de “utilizar” o tema do Luiz e discorrer um pouco sobre o assunto, da maneira que mais gosto, ou seja, contando histórias.
Algumas destas histórias, que demonstram um pouco este jeito carioca, foram criadas em uma empresa de Catering que trabalhei, chamada Caterair International, que se tratava de uma DBA da Marriott In Flight Services e chegou a ser considerada a maior empresa de Catering do mundo, com sede em Miami.
Meu presidente no Brasil, o Alberto Iriberri, era um Boliviano naturalizado Americano, que começou na empresa dirigindo caminhões.
O Iriberri, como todos os chamávamos na empresa, era um homem de gênio irascível quando nervoso e o que mais o deixava nervoso era a ineficiência, a indolência e o desinteresse de fazer um trabalho bem feito.
De forma contraria, era um doce de pessoa, que sabia como ninguém liderar sua equipe e que conseguiu desenvolver na operação do Brasil um Jeito Carioca de gerir seus comandados.
Iriberri era um apaixonado pelo Rio de Janeiro, comprou uma casa e morava no Itanhangá e louco por samba (chegou a sair pela escola de samba Vila Izabel).
A empresa tinha um ritmo de trabalho enlouquecedor, com atividades 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano e se posicionava na área de apoio do Aeroporto do Galeão, com colaboradores (em sua enorme maioria) moradores dos morros da Ilha do Governador e torcedores e integrantes da escola de samba União da Ilha.
Após um dia estafante de trabalho, Iriberri tinha por hábito ir para a sala de reunião, abrir uma cerveja, pedir a padaria para enviar algumas mini pizzas e outros salgadinhos especiais de aviação e chamar seu principal grupo de executivos, com os quais conversava sem pauta ou agenda (geralmente por horas).
Naqueles momentos não existiam problemas que não pudessem ser adiados para que todos nos juntássemos a ele na sala de reunião, em volta de alguns salgados e algumas latas de cerveja.
Neste ambiente informal e fraternal, não existiam melindres, problemas pessoais ou profissionais, existia sim um grupo que discutia unido em torno de um líder os caminhos que levariam a empresa a atingir as metas e objetivos traçados.
O resultado disto é que em certo momento a Caterair contratou (nos USA) a Consultoria TQM para auditar e medir todas as sua mais de 170 cozinhas espalhadas pelo mundo, segundo os critérios de qualidade, produtividade e lucratividade, sendo que ao fim do trabalho a cozinha do Rio de Janeiro foi reconhecida como a “melhor do mundo”, recebendo um premio de reconhecimento, que encheu de orgulho todos que dela participavam, do ASG (Auxiliar de Serviços Gerais) ao seu Presidente.
O Iriberri enchia a boca para falar que havia trabalhado em mais de 12 paises diferentes e que o melhor profissional que ele conheceu foi o carioca... talvez por que ele fosse tão carioca quanto todos outros cariocas (cearenses, baianos, mineiros, paulistas, etc.) que lá trabalhavam.
Uma outra história interessante aconteceu quando fomos incumbidos de começar a preparar a equipe de profissionais que iria atuar em uma cozinha de bordo que começamos a construir em São Paulo (Guarulhos) em joint venture com a Varig.
Depois de observar durante um tempo a mão de obra dos outros caterings de São Paulo, entendemos que aqueles profissionais não detinham a vontade e o jeito que estávamos procurando, tal e qual as consultorias de recrutamento e seleção que prospectávamos em São Paulo, não tinham o tipo de trabalho que entendíamos fundamental.
Neste momento, consegui convencer uma consultoria do Rio de Janeiro (a LTM) a abrir uma filial em São Paulo e designar uma equipe para trabalhar em conjunto com minha equipe para a empreitada.
Durante 6 meses fiquei morando em Guarulhos, voando para lá as segundas feiras e voltando as sextas feiras;
Tomamos a decisão de que todo o recrutamento e seleção aconteceria no canteiro de obras da nova cozinha, no meio da lama e do trabalho de construção do prédio e que daríamos preferência aos moradores da região (muito pobre).
Colocamos um anuncio no jornal local e no dia seguinte tínhamos no portão da obra uma fila com mais de 1.000 pessoas procurando uma oportunidade, seja de ASG, auxiliar de comissária, auxiliar de cozinha, cozinheiro, auxiliar de confeitaria, confeiteiro, motorista, etc.
Ao chegarmos a obra tomamos um susto com a multidão e decidimos que iríamos atender a todos, não importando a hora que acabasse.
Todos preencheram uma ficha, apresentaram recomendações e foram entrevistados “olho no olho”, trabalhamos até as 22:00 horas e praticamente ninguém abandonou a fila.
Durante 5 dias ao chegar a obra pela manhã encontrávamos uma nova fila, tão grande como a primeira, demonstrando a carência de emprego da região (nenhuma das concorrentes “gostava” de contratar pessoal da região).
Eram motoristas de empresas de transporte, empregados de padarias, restaurantes, bares, empresas de limpeza, etc., que geralmente tinham que demorar horas em uma condução para chegar ao trabalho e depois retornar para casa.
Outro fator era que as pessoas comentavam com os vizinhos, como foram tratados na entrevista e a consideração que as pessoas da empresa tiveram com eles.
Em menos de 60 dias tínhamos a equipe contratada e começamos os treinamentos diários, inclusive de aproximação de caminhões de aeronaves. Neste ponto cabe uma história dentro da história. A Varig havia nos garantido disponibilizar um avião estacionado em seu hangar para este treinamento (crucial para os motoristas e auxiliares de comissária). Na hora H a Varig falhou e ficamos sem a aeronave.
Neste momento, meu Engenheiro de Segurança do Trabalho, o Carlos Becker, teve a Idéia de utilizar um caminhão basculado (ou seja todo levantado), como um simulador da aeronave e de colocar fitas penduradas que iriam fazer de conta da fuselagem... Após o treinamento nossa equipe de motoristas de São Paulo era a mais bem treinada de Guarulhos, recebendo elogios da Infraero por seu profissionalismo e cuidado na aproximação e basculação dos caminhões... Jeito carioca?
O resultado final é que em menos de 4 meses de treinamento (numero muito inferior ao previsto) tínhamos uma equipe de 500 profissionais novos em catering, altamente treinados e preparados para tocar uma operação como a de Guarulhos.
O dia da inauguração foi marcante, operando um vôo da American Airline (com teste de eficiência) fomos qualificados pela Auditoria da AA como padrão especial, o que encheu de orgulho a todos, inclusive e principalmente o nosso líder, o carioca Iriberri.

O Jeito carioca de fazer as coisas é uma realidade, não é?

Obs.: O Teste da AA foi o de configurar o vôo que saiu de Buenos Aires como com 60% de lotação e meia hora antes do pouso mudar a configuração para 100%, o que faz que você corra contra o tempo no preparo de tudo que envolve um catering, são centenas de itens a serem reconfigurados, em um curto espaço de tempo, sem que ocorra um atraso no vôo, que causa multa para a empresa aérea.

Um comentário:

Mommyto2 disse...

Que linda historia. Desculpe que meu português ta limitada, mais queria dizer que meu pai, Alberto Iriberri, adoro o Rio, e o trabalho que ele fez com a Marriott e Caterair. Eu ficou feliz sabendo que você lembra dele com muito carinho. Ele sempre quiz voltar para o Rio, mais o câncer nao o deixou.
Abraços,
Patricia Iriberri Toledo